Manifestação Pública da AGATRA sobre a Suspensão Nacional dos Processos Relacionados à Pejotização (Tema 1.389/STF)
A Associação Goiana da Advocacia Trabalhista (AGATRA), entidade representativa da advocacia especializada no âmbito das relações de trabalho, vem a público manifestar, de modo firme e responsável, sua profunda preocupação com os impactos decorrentes da decisão monocrática proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, no âmbito do Tema 1.389 da repercussão geral, que determinou a suspensão nacional da tramitação de todos os processos que versem sobre a licitude da contratação por meio de pessoa jurídica e sobre a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar tais ações.
Ao reconhecer a repercussão geral da matéria, o Supremo Tribunal Federal delimitou que está em debate, para fins constitucionais, a controvérsia atinente à competência da Justiça do Trabalho para julgar a licitude de contratações travestidas de autonomia formal (como nos casos de pejotização) e à distribuição do ônus da prova nesse contexto. No entanto, a suspensão indiscriminada das ações em curso, sem a devida ponderação dos efeitos sociais e jurídicos da medida, acarreta severos riscos à efetividade do acesso à justiça, à proteção do trabalho digno e ao próprio equilíbrio federativo das competências jurisdicionais.
A AGATRA ratifica, na íntegra, os fundamentos jurídicos e institucionais apresentados pela Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT (https://abrat.adv.br/nota-de-repudio-e-mocao-a-justica-do-trabalho/), cujo posicionamento já amplamente divulgado sustenta, com rigor técnico e constitucional, que a Justiça do Trabalho detém competência para apreciar demandas em que se alega fraude na relação de trabalho, inclusive na hipótese de disfarce da relação de emprego por meio da pejotização. Tal entendimento decorre diretamente da interpretação sistemática do artigo 114, I, da Constituição Federal, do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e da necessidade de preservação das garantias fundamentais da parte hipossuficiente, conforme os princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho.
É importante rememorar que o próprio STF, ao julgar a ADPF 324 e o RE 958.252 (Tema 725 da repercussão geral), reconheceu a constitucionalidade da terceirização de quaisquer atividades, inclusive as atividades-fim, mas não chancelou, em nenhum momento, práticas fraudulentas ou simuladas que ocultem verdadeira relação de emprego. Portanto, a investigação da presença ou não dos elementos fático-jurídicos do vínculo empregatício, à luz da realidade concreta, permanece sob a alçada da Justiça do Trabalho, conforme interpretação consolidada na jurisprudência pátria.
A decisão do Ministro Gilmar Mendes, embora voltada para a “pejotização”, pode afetar processos relacionados à contratação de trabalhadores em categorias que não são propriamente de profissionais liberais. Neste sentido, podemos citar as empregadas domésticas ou secretárias de empresas, que, embora, por vezes, cumpram todos os requisitos para reconhecimento do vínculo empregatício, não possuem formalização contratual. Nestes casos, a simples alegação de autonomia por parte do contratante patronal, mesmo sem a devida documentação, pode levar à suspensão do processo, comprometendo a análise da realidade fática e o direito do trabalhador à devida proteção jurídica.
Além disso, a paralisação nacional de processos que discutem situações concretas de fraude trabalhista afeta, de forma direta, políticas públicas estruturantes, como as voltadas à inclusão de pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho, e compromete o recolhimento de tributos e contribuições essenciais à manutenção do sistema de seguridade social (como FGTS e INSS), gerando reflexos negativos para a coletividade.
A AGATRA manifesta, ainda, respeito à função exercida pelo Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição, mas entende que a suspensão generalizada dos processos impõe um ônus desproporcional à parte trabalhadora e fragiliza o sistema de justiça do trabalho como instrumento essencial de contenção da desigualdade estrutural nas relações laborais.
Por todo o exposto, a AGATRA reafirma seu compromisso com a defesa da competência constitucional da Justiça do Trabalho, com a legalidade e com a ordem jurídica justa, posicionando-se pela imediata revogação da medida suspensiva, sem prejuízo do regular julgamento do mérito do Tema 1.389, com ampla observância dos princípios constitucionais, do devido processo legal e da primazia da realidade.
Goiânia, 15 de Abril de 2025.
Cristiane Fragoso Pavan
Presidente
Associação Goiana da Advocacia Trabalhista – AGATRA